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20 de outubro de 2014

Porquê ler os clássicos da literatura portuguesa?

O Projecto Adamastor tem feito uma série de breves entrevistas a escritores portugueses, acerca deste tema. Convidamos os nossos alunos a irem lê-las no blogue do projecto. E porque gostámos em especial da de Mário de Carvalho, deixamos abaixo as suas respostas. 

Não que sejam precisas outras justificações para ler a literatura clássica, além da que apresentou lapidarmente Italo Calvino: é que ler os clássicos é melhor do que não os ler - ou do que não os ter lido. 

Assim, a todos desejamos boas leituras!


«Porquê Ler os Clássicos?» – Entrevista a Mário de Carvalho

Os clássicos são os livros exemplares que produzem em nós dois efeitos que um autor, também clássico, designou por ‘prodesse’ (ser útil) e ‘delectare’ (dar prazer). Neste ‘prodesse’ incluímos o melhor conhecimento dos nossos contemporâneos (somos todos contemporâneos, porque a História é muito curta); no ‘delectare’, o gosto de acompanhar as combinações surpreendentes que os melhores autores souberam explorar na nossa língua.

A definição de clássico está longe de ser consensual. Afinal, o que torna uma obra literária um clássico?

Clássico pode ter dois sentidos. O etimológico que remete para um conceito de excelência, elevação e exemplaridade. E aqui, encontramo-nos próximos da ideia de cânone. E um, mais corrente, que designa qualquer obra literária do passado, independentemente da sua qualidade. Estas merecem também ser preservadas e divulgadas. Há sempre um olhar a que podem fazer falta.


Eça e Pessoa continuam a ser bastante lidos, mas nem todos tiveram tal sorte. Que autor português considera que foi imerecidamente votado ao esquecimento?

José Rodrigues Miguéis. Mas cuidado, é melhor falarmos em obras do que em autores, para não cairmos numa fácil ‘falácia autoral’. Mas acha mesmo que Eça continua a ser bastante lido? Em 1947 era possível a um jornal publicar um inquérito perguntando ‘O que pensa do conselheiro Acácio?’ Experimente fazer a mesma pergunta hoje.


(...) que obra contemporânea lhe parece capaz de vencer o teste do tempo e vir a integrar o cânone literário português?

‘A Casa Grande de Romarigães’, creio.


«Não estou nada preocupado com o futuro do livro», afirmou num debate realizado na Feira do Livro de Lisboa 2010 (...). Tendo em conta o desenvolvimento do mercado digital nos últimos anos, mantém a mesma opinião?

Um livro digital não deixa de ser um livro. Já os tivemos em tabuinhas de barro, em papiros, em pergaminho, em placas de madeira, em folhas de palmeira e por aí fora. Por que não em formato digital? A ‘vexata quaestio’ costuma ser a do futuro do romance, ou mesmo da literatura. Anda a ser arrastada pelo menos desde o princípio do século XX. É já, pois, uma questão com uma certa idade. Tenho a impressão de que ela (a questão) vai sobreviver por mais umas dezenas de anos.


http://projectoadamastor.org/porque-ler-os-classicos-entrevista-a-mario-de-carvalho/

17 de novembro de 2013

Entrevista a José Saramago, 1989

Em 1989, José Saramago foi entrevistado por Rentes de Carvalho - escritor e professor de Literatura Portuguesa, residente na Holanda desde 1956 - que nos dá conta dessa entrevista no seu blogue, Tempo Contado. 

Um quarto de século volvido, o diálogo entre os dois escritores mantém todo o interesse. Ora leiam:

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Aos sessenta e seis anos José Saramago vive confortavelmente a dois passos da residência oficial do primeiro-ministro, sorri divertido quando lhe pergunto qual é a sensação de, quase do dia para a noite, se ver liberto de tantas pressões e ser considerado como the grand old man das letras portuguesas: 


«Se o êxito tivesse vindo quando eu tinha uns trinta ou quarenta, anos, é possível que, depois de viver muito tempo com semelhante aura, eu estivesse imbuído dum sentimento de importância e caminhasse pelas ruas de Lisboa com um ar de patriarca e glória nacional. Daqui a cinco ou dez anos, se tiver tempo para escrever o que ainda penso escrever, talvez o possam dizer. Mas hoje não tiro daí nenhum sentimento de vaidade ou de orgulho, não me tomo por importante, e quando ouço afirmações tão simpáticas como essa, a minha tentação, sinceramente, é olhar para o lado, a ver se estão a falar com outra pessoa.»


Quais são, na sua opinião, as circunstâncias que promoveram em Portugal o actual interesse do público pelo realismo mágico e o romance histórico?
«Eu não sei se haverá de facto um interesse do público orientado para essas duas áreas, se exactamente é verdade existir esse interesse. O que sim, acontece, é um fenómeno bastante mais geral e eventualmente positivo: depois do 25 de Abril, uma data que vai ficar como uma inevitável referência no plano cultural e no plano literário, aconteceu qualquer coisa que é novo nesta terra, e que foi o súbito - porque efectivamente foi como que uma espécie de explosão, de erupção - o súbito interesse do público português pelos seus escritores. Quer dizer: não é que antes não existisse um interesse, mas digamos que a atenção do público se dispersava mais pelas obras traduzidas. Quando dois ou três anos depois começaram efectivamente a aparecer obras, e refiro-me especialmente ao romance, houve de facto como que uma descoberta dos romancistas portugueses por parte dos leitores portugueses, e que, julgo eu que tem que ver muito com - eu não quero cair na velha questão da perda da identidade nacional, o que creio ser um falso problema - tem a ver, enfim, com o regresso à pátria, ao nosso ponto de partida. Parece notar-se desde então como que uma espécie de regresso do interesse dos portugueses a si próprios. Quer dizer: passaram a interessar-se por si próprios e, consequentemente, passaram a interessar-se mais pela sua história e pela sua cultura, como uma descoberta de si mesmos no plano histórico e cultural geral.»